2 de fevereiro de 2012

Meu amor por Abril


Meu amor por Abril

   Você me pergunta se eu já amei... Sim, eu já amei uma vez. Mas foi há muito tempo atrás, e lembrar me causa dor. Não, não precisa se desculpar. Eu te conto se quiser ouvir. Mas desde já aviso: não é em nada absurda essa história de que em agora lhe falo. Nada como aqueles pomposos romances que você encontra nos livros... Não, é apenas uma modesta elegia. É algo tão muito simples, e por isso peço que me desculpe, pois é tudo que tenho. Peço perdão, meu jovem, por eu ser assim tão velho e aparentar tanta sabedoria, porém não ser capaz de contar-lhe uma história sequer que seja minimamente grandiosa; Mas repito: esta modesta elegia é tudo o que tenho dentro de mim, e ficaria muito grato se pudesse ouvi-la com carinho.
   Conheci-a e perdi-a toda no claro mês de abril de 1953. Sabe de onde vem o nome abril, meu jovem? Vêm daquela deusa cujo nome certamente você já ouviu em algum lugar. Vênus. E foi em homenagem a este fato que chamei de Abril a minha querida paixão. Se ela tinha um nome antes deste que a ela dei, não sei. Veja bem, quero que entendas que este meu amor não falava; Ela era muda e silenciosa como o vento que a trouxe à minha janela. Foi numa manhã bem calma, eu me lembro. E ela ficou ali, a observar-me com seus olhos pequeninos, enquanto eu acordava bem devagar.
   Não me surpreendi quando vi aqueles dois olinhos brilhantes me olhando de lá fora. Não era a primeira vez que via algo assim; Porém, estive feliz. E dei-lhe um caloroso bom dia, numa voz fina e brincalhona de criança que eu era; Abril sorriu, ou ao menos, assim pareceu-me. E eu me aproximei do seu corpo pequenino... Suas pernas magras, e aparentava ter tanta agilidade... Porém não me fugiu. Não imediatamente. E fiz menção de tocar-lhe o brilhante castanho que derramava do crânio... E ela assim me permitiu! Entende o que é isso, meu jovem, habitante de tempos tão distantes e carentes? Podes imaginar a beleza e a responsabilidade de ter algo tão cálido e pequeno nas mãos?
   E nas manhãs que se seguiram, todas, naquele belo mês de outono, minha linda Abril vinha me dar bom dia. E tanto eu apreciava aquele gesto, meu jovem... E foram tantos sorrisos! E mesmo que eu me sentisse triste e sozinho quando ela ia embora, nunca pensei em prendê-la junto a mim. Engana-se quem pensa que prender é amor, querido. Pois não há gesto de maior adoração do que amar algo liberto! E se como os biscoitos de minha mãe fora meu amor por Abril cálido e quentinho, foi porque eu não a possuía, nem ela a mim; Se eu a amei um dia, foi porque tirei prazer de vê-la correr pelo infinito desse céu tão demasiadamente azul, e não porque a tive aqui, junto ao meu coração, presa em uma gaiola.
   O mês de abril me lembra aquele pálido céu azul, jovem criança, por onde minha adorada Abril costumava passear. E chegou, certo dia, a cantar para mim. Não tens idéia, jovem, do quão lindo era seu canto; Tão profundamente triste, em uma única sílaba de cor e de luz. Abril costumava passear pelo meu quarto de manhã, suas pernas magras timidamente tateando o chão. E ela se balançava toda, quando eu acordava, e cantava para mim uma bela canção.
   Mas certo dia, meu jovem, e digo isso com muito desprazer. Não sabes o quanto eu desejaria não ter de contar a ti o fim dessa curta história; Mas ela é tão insignificante, minha criança, que sem o fim que teve não valeria de nada ser contada. Minha adoração por Abril e a dela por mim, tão inocente e tão dócil, foi cortada de súbito, exatamente como aquele carvalho que foi ao chão. Não sabes o quão triste fiquei ao ver aquela árvore caída e o ninho de Abril desmembrado no asfalto... E aquele corpo, minha criança, aquele tão pequeno corpo de passarinho deitado, seu busto orgulhoso subindo e descendo com dificuldade... E as formigas que subiam-lhe as penas castanhas, e minha querida Abril contorcendo-se de medo e agonia... Queria matá-las, as formigas, a tapas e a palavras de ódio! Mas não podia! Não podia! Se acertasse as formigas, seria contra o corpo de Abril que eu estaria levantando minha mão; Se Berrasse às formigas, seria ao canto suave de Abril que estaria ofendendo; Por isso, tomei o corpo de minha amada nas mãos, criança, e cantei para que as formigas se esquecessem dela. E elas se esqueceram, pois depois de tirar uma por uma as formigas do corpo de Abril, ela estava limpa e serena, ainda arquejando com dificuldade, com a vida prestes a ser borrada.
    A semana que se seguiu fora a mais melancólica de toda a minha longa vida, meu jovem. E tamanha melancolia ainda posso sentir na pele em dias assim, em dias que me lembro; Tive de pôr Abril em uma gaiola. Só com silêncio posso descrever o quão triste aquilo fora para mim, meu jovem. Portanto, faça silêncio por um só minuto... Cale tudo ao seu redor, e busque no mais profundo dessa ausência a tristeza de que vos falo; Pode sentir? Pode sentir o medo e o repúdio, a deformada depressão que se forma entre a tristeza e o suicídio?... Podes sentir, meu jovem? Que bom que não consegues. Pois uma vez que te sintas assim, nunca conseguirá apagar do seu espírito este cinza etéreo.
   Abril morreu alguns dias depois. E a enterrei bem embaixo da janela de meu quarto, junto à grama e a um lindo lírio vermelho. O lírio morreu um ano depois por conta da fumaça negra da fábrica. Minha casa foi demolida para a construção de um shopping mall.E de todo aquele Abril de 1953 só restou essa história simples e sem graça que agora vos conto, meu caro rapaz. Dizem que os amores de abril são eternos... E não hei de negar. Por isso te imploro, com todo respeito e amor que tive por minha passarinha. Por favor, quando cresceres e virares um grande empresário...

   ...Não destrua esta floresta por onde voam os filhos de Abril.

2 comentários:

  1. Deu uma evoluída nesse texto. Achei muito bom :)

    V.S.

    ResponderExcluir
  2. Ficou simplesmente explendido Ruukasu!... meus parabéns.
    A estrutura textual, por algum motivo me recorda da leitura de "o pequeno principe" embora seja muito mais forte, e acarretada de um clima textual mais carregado.

    Só acho que a harmonia textual não ficou muito boa, a fluência da leitura não acompanha a harmonia do enredo... faltou o uso de palavras mais leves, que aludissem ao próprio abril. A escrita está muito boa, mas carece de termologia... Suas metaforas são sutis e quase não se pode perceber. Embora o proprio texto seja uma grande metafora alusória ao seu titulo, e seja por fim também um texto de critica, as idéias foram bem trabalhadas... mas acho que poderia ter aumentado o texto para que elas crescessem dentro dele proprio.

    Gramática impecável, pra variar.

    Meus parabéns, ^^ um grande texto... não o melhor que já fez... mas um grande texto

    ResponderExcluir

Muito obrigado por comentar! Você não tem ideia do quanto está contribuindo para o nosso trabalho e do quanto estamos gratos! Mas por favor, comentários construtivos!