2 de janeiro de 2012

Vidro Temperado


Vidro temperado


De longínquas terras sussurram indústrias
Chaminés tragam o belo e expiram fumaça.
Ó vento, sopro divino, imaculado!
Por que trazes até mim tanta desgraça?

Como bestas, construções brigam entre si
Numa nauseante, intensa busca ao céu.
E por entre becos e vielas, fico eu a procurar
Fragmentos de lembranças, gotas de um mel...

Um mel que há muito, azedo se fez
E só o gosto de fuligem agora é vivo.
Como hei de alcançar tempos tão distantes,
Se até o sol, hoje vive escondido?

Ao fim da tarde, o lusco-fusco só se vê
Nas altas construções e nos seus vidros.
Tão castanhos... Como os dois olhos dela
Mesmo brilho! Mesmo brilho!

Será que se eu ainda os tivesse
Seria o céu tão cinza assim?
Seus olhos, se ainda brilhassem,
O que fariam de mim?

Descem arcanjos do céu, limpos até os pés!
E as angustias fluem da água para a chama.
Temperança é tempo que se passa e tudo leva
E a esmola que ele deixa é só lembrança.

Na minha mente, dois olhos muito castanhos.
Vou seguindo a fila do banco, do caixa, da prisão.
E em dias cinzentos e tão muito estranhos
Respiro poeira de paz, de sossego, e do algodão...

Do algodão que lhe forjava o vestido
Branco como as nuvens costumavam ser.
Teço fios e mais fios de disfarces tão modestos
Que poucos homens ousariam querer.

Pende minha cabeça no vidro estraçalhado
O sangue se derrama e escorre em seu enlaço.
Meu mel, feridas humanas são simples percalços
Para quem, desde sempre, sangrou ao seu lado.

Tão profundos
São os cortes
De fino vidro
Temperado.

Um comentário:

  1. Ruukasu... Você se superou totalmente... Pra quem ficou muito impressionado com a estrutura de Menina brasil, Vidro Temperado é uma dadiva dos céus...

    Meus parabéns. Sério... Ficou Divino... A forma como expressou as idéias e o contexto que ele segue... as metaforas empregadas, e seu fim harmonico e impregnado de força, torna-o impactante aos olhos do leitor. E teu vocabulário colossal faz com que isso seja ainda mais bem passado.
    Meu parabéns... de verdade!

    A Estrofe que mais gostei:

    "Um mel que há muito, azedo se fez
    E só o gosto de fuligem agora é vivo.
    Como hei de alcançar tempos tão distantes,
    Se até o sol, hoje vive escondido?"

    Achei que, junto da penultima estrofe esta foi a mais harmonica. Realmente, a forma como foi passado... embora eu trocaria azedo por "Fél"

    ^^
    mas ficou divino..

    bem, o unico ponto negativo que achei, foram as harmonias da estrofe... que não seguem nenhum tipo de forma... Poemas são como Desenhos, é preciso que você distribua os traços de forma a deixá-los ter uma boa postura, do contrario, são como arte abstrata, e muitas vezes não brilham tanto. Por isso deve distribuir as cores, os "traços" de forma harmonica, criando uma reação ao leitor do tal.

    ^^ mas isso é só detalhe... o que importa é, está impecável. meus parabéns, e continue com esse trabalho ^^

    peço desculpas a demora de postar por aqui D: como sabes, sou muito enrolado e_e

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